domingo, 28 de fevereiro de 2010

Da cela à sala...



A dinâmica do blog se dará da seguinte forma: os textos irão sempre suscitar a discussão visando motivos para o apreciador sair à vida gregária ou manter-se na misantropia, resignar-se no eremitério ou servir à eclesia, peregrinar o deserto ou ir ao cenáculo, cair no Bola ou ficar no bloco do eu sozinho... e por aí vai, levantando bons motivos para a reclusão estanque ou a permanência esperançosa.
Quando tinha uns dezesseis anos li o Tao te Ching, um verso em especial não me saia da cabeça. Falava do vazio, de como a utilidade das coisas reside no vão que possuem, no "nada" a ser preenchido. Então inspirado escrevi um texto muito do piegas, mas que maturou aquele conceito em mim. Chamava-se "A Ciência do Vão". Desde então já desdobrei infinitas vezes as possibilidades e agora quero jogar com isso, com a ausência física.
Vão do pensamento, Nem isso nem aquilo, zero absoluto, pleroma, distanciamento (magia de 2º círculo de clérigo - ah, saudoso Ad&d...) e por aí vai, nos lancemos umas vez mais às faces vazias do nada chaótico...

"Essa noite não tem lua
Eu sei porque vi com meus olhos
Além dos luminosos que não brilham mais
Dorme às escuras a lua
Pra onde vai nosso amor,
Nossa sede?
Há tempos que pergunto isso
Nem mesmo Jesus Cristo
Pendurado na parede
Saberia a resposta
Vem comigo, vem
Já tenho quase tudo que me basta
A flor no pasto
A mesa posta
Minha música e teu calor
Agora só me falta aprender o silêncio."

- O Silêncio; Zeca Baleiro.

Eu quero é botar meu blog na rua, gingar, botar pra ferver!

- Sampaio neles moçada!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Cristo e Ogum dançando "soltinho"


05/mar/10 - só assim eu consegui inverter a ordem de exposição das postagens, as mais recentes estão sempre abaixo e a data real é essa (eita jagunço high-tech!)

Estava eu no Centro Cultural Carioca, em um evento de dança de salão. Comigo estavam minha mulher, meu compadre e comadre mais dois amigos. Todo mundo dançando à beça, pedindo música, riscando o chão... Enquanto eu, que não danço lhufas, estava a construir uma pirâmide mística de latinhas de Brahma sobre a mesa, a fumar igual uma caipora e a divagar, tentando me achar naquele evento que sinceramente, não tinha nada a ver comigo! Só pra que se tenha uma noção, eu comecei a fazer análises epistemológicas de músicas como "Tô nem aí", de Luka (Putz, eu fiquei pensando: como alguém pode fazer uma música pra outra pessoa e logo em seguida dizer que não pensa nela, que "agora tá em outra"?). Eu sei, exagerei... Mas é que o tédio estava me revirando! Então surgiu a pérola que me valeu a noite. Na voz de Zeca Pagodinho:
- Eu sou descendente Zulu, sou um soldado de Ogum. Devoto dessa imensa legião de Jorge...
Aquilo me arrepiou, senti uma profunda reverência por Jorge, Ogum e afins.
Aonde eu quero chegar com isso? Pois então, a religiosidade. A maioria esmagadora de nossa população é religiosa por assim dizer, professa algum credo, segue alguma doutrina religiosa. E nós, os pensadores, filósofos, místicos, iniciados, magistas e etc? Ah, nós somos uma elite que estamos acima disso... Ou pela razão, ou pelo nível de "espiritualidade", nos libertamos da religiosidade que escraviza. Uns dizem ser o ópio do povo, outros o embotamento da realidade; outros vão além: trata-se de velhas formas de se relacionar com sagrado, ou por evitar um criador antropomórfico ou por viver em ditames de novos ciclos e aeons. O fato é que religioso virou sinônimo de supersticioso, atestado de pouco alcance intelectual, algo pejorativo entre a elite espiritual de nossa gente. Santa ignorância! O sentimento de religiosidade está no patamar das coisas que nos diferenciam dos outros animais, é algo inato. É também uma faculdade de apreciação, similar à percepção do belo, da música ou a lógica aritmética. É uma forma única de lidar com exposições numinosas da realidade imanente e transcendente (eita, baixou o Jung aqui...), alternativa em relação ao modo que analisamos os assuntos ordinários. Isso será clarificado mais adiante.
Algo parece fundamental nisso tudo: buscar compreender a imanência e a transcendência das experiências. De cunho pessoalíssimo, essa análise deve ficar a cargo de cada indivíduo, mas cindir esses dois aspectos é muito perigoso. Um exemplo disso: estava conversando com minha mãe quando Aline (irmã), ao passar por mim, me chamou de louco. Foi imediatamente repreendida:
- Não faça isso, está em Lucas (capítulo x, versículo y...): é réu do fogo quem chama seu irmão de louco!
Instantes depois estavam comentando sobre uma fulaninha da rua...
- Aquelazinha? Sai com todo mundo...
E eu pensei com os meus botões: chamar de puta pode, "louco" que é pecado.
Percebe? Uma fé onde a imanência sumiu é totalmente dependente do que transcende. Uma fé sem elasticidade, que implora por decretos e mediadores a todo instante, liturgias e sacerdotes, profetas e sacrifícios de sangue. Mas Cristo e Jorge ainda fizeram grandes contribuições para estes relatos...
Na primeira segunda-feira de março, eu saí de serviço. Após trinta e poucas horas de ermo saí para resolver algumas coisas e buscar minha mulher e minha filha, que haviam dormido na noite anterior na casa de meu sogro. Tinha ido somente com o dinheiro da ida para o trabalho, então procurei um caixa eletrônico para sacar uns trocados. Os cartões não passaram. Rodei todas as agências da Vila Militar, nenhuma quis me liberar um vintém! Uma até prendeu meu cartão por demorados trinta minutos; até que um camarada, acometido de bom-mocismo me apareceu com um alicate. Enquanto isso chovia bicas. Algumas moedas em meu bolso chegavam ao total de um e cinquenta, o valor de um ônibus promocional que passava a cada trezentos anos por ali. Aguardei como um iogue. Fui até a Pavuna. Rodei todas as agências de lá. Nada. Quando passei em frente à Igreja da Matriz, decidi entrar. Jorge queria estar comigo e eu fui até ele. Senti uma grande emoção ao estar ali, ajoelhei-me. Senti-me impelido a prestar culto, mas muitas ponderações antecederam... Seria Jorge de fato Ogum no sincretismo? Na Bahia é Oxossi... Mestre das forjas ou um combatente? Não se deve ignorar a razão, mas saciá-la. Pensei que a Imago já havia passado por outras condensações, que estava como devia estar naquele momentum. De joelhos curvei minha fronte:
- Salve Jorge, aqui estou!
- Peleja ao meu lado esta noite. Caminhemos juntos sob a chuva forte, como quem marcha para o combate. É preciso derrotar um dragão.
- Assim será feito Comandante.
Levantei vestido com as roupas e as armas de Jorge, ele galopava ao meu lado, eu ao solo como infante que sou. Após decidir marchar, alguns conhecidos me gritaram dos ônibus que passaram ao largo, como uma tentação para desistir de peregrinar. Com o auxílio de meu fiel Capitão, fui até minha casa. No fim, um carro com aqueles típicos decalques evangélicos: "Os humilhados serão exaltados". Sincrônico. Ao chegar ajoelhei-me novamente e agradeci pela vitória.

Dias depois algo muito intenso aconteceu, voltei a falar com uma pessoa que há quinze anos se quer nos olhávamos, mantendo uma relação de raiva e desprezo. Venci meu orgulho, fui até ele e o abracei. Houve recíproca. Nesse instante vi Jorge tombando o dragão que perseguimos aquela noite. Salve Jorge da Capadócia!

Tá aí: Por todos que deixam o Espírito Santo sair de seus corações e habitar em linhas frias, bem como o supra-sumo do pedantismo dos que guardam o sagrado em frascos, o monge se mantém na cela, e pede aos céus piedade pelos extremados; mas por todos que vivem a religião de suas almas, que são abertos a santidade do agora, para quem pede e quem destina o perdão, as abadias ficarão vazias e frias, a viúva se casará, o guarda britânico sorrirá, o celacanto virá à praia!

Ogum (Zeca Pagodinho)

"Eu sou descendente Zulú
Sou um soldado de Ogum
devoto dessa imensa legião de Jorge
Eu sincretizado na fé
Sou carregado de axé
E protegido por um cavaleiro nobre

Sim vou à igreja festejar meu protetor
E agradecer por eu ser mais um vencedor
Nas lutas nas batalhas
Sim vou no terreiro pra bater o meu tambor
Bato cabeça firmo ponto sim senhor
Eu canto pra Ogum
Ogum
Um guerreiro valente que cuida da gente que sofre demais
Ogum
Ele vem de Aruanda ele vence demanda de gente que faz
Ogum
Cavaleiro do céu escudeiro fiel mensageiro da paz
Ogum
Ele nunca balança ele pega na lança ele mata o dragão
Ogum
É quem da confiança pra uma criança virar um leão
Ogum
É um mar de esperança que traz a bonança pro meu coração
Ogum."


D'us dos fortes e dos fracos, perdão pelos pecados, pela ironia e pelo neologismo. Assim Seja!

- Saravá Mundo Cão!!!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Credo Nândico

31/03/2010

Senhor, atenta para minha confissão de fé!

Creio no D'us supremo, TODO hermético, criador e mantenedor da vida;
No Mistério das tríades, no Delta Luminoso e na Santa Tetraktis;
Creio no doce batismo de Sophia e nas consolações de seu espírito, onde comungam os gêmeos;
Creio na Hierarquia Invisível, nas Inteligências praeter-humanas, na sucessão dos ciclos-aeons e no profundo Mistério da Cruz Áurea e da Rosa Rubra;
Creio na grande inalação e exalação de Brahma, no Demiurgo, nos olhos colabados de Abraxas, no símbolo do poder dos reikianos e no sagrado coração do homem-bomba;
Creio no 1, no 3, no 7, no 9, no 22, no 93, no 144, em 1999, 2010, 11, 12...
Creio no Alpha e no Ômega, no Aleph-beth, no arroba, no dia "D", na hora "H" e nos cifrões;
Creio no Cristo-Crestos, K-H-M, Sócrates, Platão, Tutmés III, Apolônio de Tiana, Ankh-f-n-Konshu, São Bernardo, São Jorge, Raulzito, João Bosco, frater Hilton, compadre Luís Cláudio, Lucas, Márlon, Diego (sim, é você!)...
Creio em Maria, Sofia, Nossa Senhora Babalon, Xaloç@, Mestra Nada, Blavatsky, Nana Cayme, Marisa Monte, Eudete, Danielle, Marcela, Priscilla...
Creio na comunhão dos jovens gigantes astronautas de mármore e na praçinha como as ruínas de um sacro-santo templo;
Creio no poder do anel gnóstico de Jung, no inconsciente coletivo, na individuação, no Self e na reintegração da psiquê;
Creio em Baphomet, Asmodeu, Astaroth, na esquizofrenia, nas neuroses, no pecado e nas psicoses, nos transtornos de humor, ansiedade, na dor do coito interrompido e no Chaos;
Creio na minha filha, em vidas passadas-paralelas, na escrita do Fernando Sabino, em antiácidos, na arrancada do meu seoi e na minha alça-massa;
Creio nos atributos do café expresso e nas propriedades alucinógenas do incenso de rosa musgosa;
Creio nos franco-maçons, nos amorquianos, nos teosofistas, antroposofistas, templários, alquimistas, thelemitas, misturalistas malaquitas, magistas chaóticos, xamãs rústicos, martinistas, wiccans, druídas, gnósticos, no catimbó e na igrejinha assembléia que tem lá perto de casa;
Creio no amor, na fé e na Paz Profunda dos adeptos.

Ouve minha profissão de fé e se rompi as brumas do silêncio para atentar contra ti, me recolhe ao mais temido dos ermos: a cova; mas se minha consciência foi o turíbulo onde o incenso da sinceridade ardeu agradável às tuas narinas, me concede tua benção para viver instantes mais entre os tais belos e malditos.

.'. OM - AUM - AMÉM '.'

Um dos tais, um dos tais... Podes tu também dizer: Sou um dos tais!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Assim como a pracinha está em cima está embaixo!



13/04/2010 - EV

Este texto (quase um artigo, assim seria se eu o enquadrasse nas normas), terá três instantes: o primeiro quando será feita a exposição deste mundo configural dos antigos egípcios; o segundo que contará a história-estória da Xaloç@ e o surgimento deste mundo "Entre Nós" [1]; e por último, as atitudes análogas entre estes dois povos míticos no tocante a essa realidade correspondente.


O Egito sempre exerceu grande fascínio sobre mim, mas a simples apreciação de sua história ou enumeração dos componentes de seu panteão nunca me pareceu o bastante. Com o tempo e o interesse, comecei a maturar uma idéia que encontrava ressonância com diversas tradições que não somente a egípcia. Após ler um artigo de uma universidade mantida por uma fraternidade que alega ter remotas (e ordinariamente ponderáveis) ligações com o Egito Antigo, comecei a ver com outros olhos os mistérios que cercam o povo faraônico. A egiptologia apontou comumente para estas definições que mencionei, enunciados cartesianos que evitavam a desconcertante espiritualidade egípcia, simplesmente incompreensível aos moldes greco-romanos de nossas interpretações acerca de sua cosmogonia. A falta de relativismo em nossas perspectivas condenou por muito tempo, sem direito a nenhum recurso, culturas muito profundas à categoria de primitivas e supersticiosas. Sinto como se o inconsciente coletivo convulsionasse e parisse um filho contemporâneo da santa inquisição: A cádetra.
Todas as descobertas indicavam a típica concepção ocidental: os deuses atuavam antes da vida, na emanação daquela alma; durante, exercendo influência sobre decisões, sendo passíveis de consultas, governando a natureza circundante, provendo suprimentos e etc; e ao fim, no acerto de contas, o típico julgamento, no caso egípcio quando os deuses funestos pesavam o coração do devoto na balança, tendo por contrapeso a pena de Maat. Ah, doce Maat... Seja bem-vinda neste humilde tratado. O faraó recebia o título, quando entronizado em seu trono, de Neb Maat, que significa “Senhor de Maat”. Uma citação: “Para os antigos egípcios, o mundo físico é o reflexo de um mundo superior no seio do qual residem os poderes divinos que estão na origem dos fenômenos terrestres [2].”
Aqui começamos a adentrar neste mundo “imaginário” para os egiptólogos, mas que para os egípcios possivelmente constituía a contraparte invisível do vale do Nilo. Neste ponto somos obrigados a rever a linearidade com que enxergávamos a teogonia egípcia. O funcionamento deste universo descrito abundantemente em seus diferentes aspectos nos textos do Novo Império é totalmente “irracional”. Era como se existisse um plano correspondente, abstrato, para a realidade física, algo que passa vagamente pelo próprio princípio da Correspondência (Hermetismo), ou o plano das idéias de Platão (lá longe...), ou até a Umbra de “Lobisomem, o Apocalipse”... Mas que só faz sentido mesmo, se tentarmos compreender à luz de suas próprias produções. Outra citação: “Este mundo, que era acessível por meio de uma criação mental, foi concebida à imagem do meio natural que constituía as duas terras, até o ponto de, neste mundo superior, existir um Nilo celeste pelo qual viajava cada dia a barca do sol do leste papa o oeste. Este era o céu superior, o reino de . Ao chegar a noite, depois de desaparecer no horizonte ocidental, o sol tomava a barca da noite para remar do oeste ao leste no céu inferior chamado Duat”.
Neste mundo matricial, as coisas que se davam lá repercutiam na realidade terrena. Mas obviamente pouco se sabe sobre esta realidade paralela, uma vez que numa sociedade iniciática como a egípcia, muitos saberes eram passados oral ou alegoricamente, encontrando solo fértil entre os próprios filhos daquela terra, obviamente por endoculturação. Lefebure, egiptólogo do século passado dizia o seguinte: “Os escribas escreviam para os egípcios e não para os egiptólogos”.
E Maat? No Heb Sed , o faraó era projetado neste universo e recebia o Kha real. O que era projetado neste plano, ao receber o farfalhar das asas de Maat “rasgava” os planos e repercutia no mundo das manifestações. Ir a este mundo e lançar a vontade em suas brumas é como digitar o endereço de uma home-page, invocar as Leis de Maat seria como apertar o Enter, ou melhor, clicar em “atualizar”...
Perante o povo, o faraó era aquele que dava a garantia de Maat: “Para que a ordem reinasse na terra, devia reinar uma profunda harmonia entre esses dois universos. Maat representava esta harmonia. O faraó, como iniciado, 'Mestre de Maat', tinha o poder de penetrar no mundo superior, de atuar a partir deste plano sobre as causas metafísicas dos fenômenos físicos. O universo imaginário dos antigos egípcios é revelado através dos diferentes mitos do vale. Estes mitos plasmavam, em imagens concretas, conceitos totalmente abstratos e serviam de base à visualização, a qual permitia estabelecer o contato com o plano superior.”

Isso é muito significativo, porque posiciona o indivíduo numa realidade holística, integrada, onde ele se sente importante, como se dependesse dele também os fenômenos naturais. Algo como se as cheias do Nilo dependessem de suas oferendas, percebe? Simplesmente lindo. Isso é o que falta para o homem pós-moderno, largado de pára-quedas em um mundo caótico, vertiginoso, sentindo-se insignificante ante a grandeza do cosmos. Exceto alguns poucos, que com um urro de suas almas, ainda promovem o nascer de sóis.

O monge se recolherá por poucos instantes em sua cela mágicka para trazer o restante do post. Até mais ver.

[1] - "Entre Nós" é o documento máximo sobre a biografia dos integrantes da xaloç@. Autoria de um escriba x@loceiro chamado John Dee Lucas, que será em breve revelado ao mundo.

[2] - Quem fizer questão das referências deixa um coment. com e-mail q envio um material.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Carvalho Brasileiro


Este texto fiz para a mangueira lá de casa, que está morrendo e será cortada. Leiam isso daí, já já retorno ao ritmo das postagens...

21 nov 10.

"Querida Mangueira, carvalho brasileiro, sustento de quilombolas e elo entre um homem e seu umbigo.

Há quase um século Sebastião te plantou, veio parar neste Rio de novos janeiros fugindo da seca e hoje tuas raízes fortes me cobram esforço para lembrar que até você já foi fruto frágil.

Seu tronco largo me remete a tardes claras de almoços familiares, sorriso frouxo e celeuma de crianças. Eu era uma delas a recostar minha espinha magra em ti. Teus galhos imponentes aos céus foram leais escadas para os meus sonhos e tua folhagem, sombra para meus devaneios. Teus frutos, doces motivos para se viver e espada para crescer justo e leal como Sebastião. Eu não sei se eram mangas ou espadas...

Já fixei inimigos em tua coluna e esmurrei tua casca, já alinhei minha pontaria te fazendo alvo... e tu chorava viscosa seiva no entorno do aço. Quando donzel tu me confidenciou que na sua copa mora o anjo que faz ventar; na era da razão lia de Sabino a Hesse sob tua sombra mosaica.

Até que eu também me fiz árvore e gerei um fruto para esta terra, a ela também você nutriu, e neste dia professei solene: “Prova, é manga e é espada”. Sou eternamente grato.

Neste ramo da árvore do Agora, tal qual folha frágil, tu serás lançada ao solo. Adoeces e com tua madeira range meu coração. O fim chega para todos e seu eterno inverno é próximo. Entre os antigos é dito que nem toda madeira é para o trabalho do mercúrio, a tua eu sei que é. Arde em paz e perdoa meus golpes, mas conta também das minhas carícias ao fogo.

Teu sumo corre em meu sangue, como correu no de meu avô e se apressa em inundar de virtude o frágil corpo de minha filha.

Querida mangueira, um doce e verde Adeus".